Há quem ser refira ao Portugal rural, especificamente ao período da segunda metade do século XX, como um mundo solitário, triste e a preto e branco. Esta visão decorre em parte das especificidades económicas (pobreza, auto-suficiência) e políticas (regime autocrático) do país até ao advento da democracia, associadas ao simbolismo da própria televisão a preto e branco que existiu no país até ao final dos anos 70. No entanto, não raras vezes, emerge uma contra-argumentação por parte das próprias populações que se referem às suas aldeias de há cinquenta ou sessenta anos como lugares de cor, de alegria, de vida, de juventude e de entreajuda comunitária, o que contrasta de sobremaneira com a ideia de um território escuro e triste.
Nestes tempos pós-milenares é possível ainda sentirmos uma “sinestesia do comum” em alguns lugares rurais que preservam um forte sentido de pertença e uma profunda relação com a paisagem envolvente. Várzea de Calde é um exemplo paradigmático, um em que a explosão cromática dos campos cultivados e das espécies vegetais se transmuta harmoniosamente na cores das peças de vestuário festivo das mulheres do grupo de cantares local. Por sua vez, essas cores transformam-se “milagrosamente” em notas musicais que ecoam no cantar coletivo que homenageia o trabalho e o viver ao longo dos ciclos da terra e do sagrado. Ato contínuo, estas mesmas notas, que se difundem no éter e que se escutam na paisagem, também impregnam os corpos, acompanhando e fazendo vibrar as marcas do tempo nas veias, nos músculos e nos ossos.
“Cor, Coro, Corpo” é uma instalação audiovisual da Binaural Nodar que consiste num exercício sinestético, de transmutação entre a riqueza cromática que se distribui no espaço, as notas coletivas cantadas na linha do tempo e o elogio aos corpos de mulheres resistentes que condensam as alegrias e penas de quem vive quotidianamente o mundo rural.
Ficha técnica:
Ideia original, composição sonora e edição vídeo: Luís Costa
Apoio de montagem: Nely Ferreira
Participação: Grupo de Cantares do Linho de Várzea de Calde
Um agradecimento ao Museu do Linho de Várzea de Calde
Co-financiamento: Município de Viseu através do programa Viseu Cultura e Direção-Geral das Artes.
© Binaural Nodar, 2020.